domingo, 10 de agosto de 2014

“MEU EVANGELHO” - Paulo escreveu o 5º?

A maioria das pessoas não entende a diferença entre Evangelho e evangelhos.

Jesus é o Evangelho Encarnado. Evangelho Eterno. O Cordeiro imolado antes da fundação do mundo é o Evangelho.
Historicamente o Evangelho é Jesus em movimento; tudo o que Ele disse e fez; o modo como fez; o tom do fazer; a linguagem; o espírito; bem como tudo o que a Seu respeito se testemunhou.
Assim, temos Jesus, o Evangelho; e, a seguir, temos os quatro evangelhos, que nos dão o panorama e o espírito do Evangelho, visto que é pela pluralidade deles que se vê o Quadro Maior, a Arquitetura do Espírito da Revelação Histórica em Jesus, a qual não foi por nós testemunhada de modo visível e histórico, mas apenas existencial, pelo testemunho do Espírito Santo e da Palavra em nossos corações.
Então, temos o Evangelho - Jesus - e temos as quatro narrativas acerca do mesmo Evangelho.
Desse modo, o Evangelho nos é contado por quatro óticas diferentes: três delas de testemunhas oculares (Marcos (Pedro), Mateus e João) e uma de um historiador, Lucas, que declara ter escrito depois de longa e acurada pesquisa dos fatos desde a sua origem.
Além disso, não somente temos o Evangelho pela ótica de testemunhas ou de um historiador, mas também os temos designados para públicos distintos: Marcos para os primeiros crentes; Mateus para os judeus que criam; Lucas para um mundo maior, mais greco-romano; e João para um público universal.
Por esta mesma razão os quatro evangelhos montam seqüências visando esclarecer o Evangelho para os ouvintes - conforme o público-, de tal modo que alguns eventos da vida de Jesus estão soltos em um ou dois evangelhos e contextualizados num outro. Sendo que João não é sutil nesse aspecto. Afinal, ao “fechar” seu evangelho, ele mesmo declara ter escolhido uma seqüência de sete milagres e de ensinos que os entremearam de modo próprio e conseqüente, visando levar as pessoas a crerem que Jesus era o Cristo, o Filho de Deus; e que assim crendo, tivessem vida em Seu nome.
Na seqüência disso temos, por exemplo, Paulo, fazendo alusão ao “seu evangelho”. Mas como? Afinal, Paulo não escreveu um evangelho!
O que é “o meu evangelho” mencionado por Paulo?
Teria ele escrito o 5º Evangelho?
De modo nenhum, ainda que pudesse; ou mesmo ainda que consideremos que sendo Lucas seu discípulo, o 3º evangelho bem poderia ser o evangelho que embasava os conteúdos das cartas de Paulo aos gentios.
Entretanto, Paulo, que não escreveu um evangelho, escreveu o Evangelho, e o fez mediante dezenas de cartas que apenas tratavam do Evangelho sem contar histórias dos evangelhos.
Assim, o Evangelho é Jesus. E Dele ficamos sabendo pelos evangelhos, os quais nos dão um Quadro Maior que nos permite ver o Evangelho. Este se fundamenta no Jesus histórico, mas se expande como espírito para tudo o que, por exemplo, Paulo escreveu segundo o espírito do Evangelho, pois se as cartas de Paulo não fossem de acordo com o Evangelho, então de que nos serviriam?
Portanto, quando ele diz “meu evangelho”, o que ele está dizendo é que, embora ele não tivesse convivido historicamente com Jesus, e nem tivesse aprendido o que discerniu em conversas com Pedro, Tiago ou João, o que ele pregava era conforme Jesus, e, portanto, segundo o espírito da Palavra, de tal modo que Paulo primeiro teve a experiência existencial para só depois receber a instrução histórica. Ou seja, ele primeiro recebeu a revelação e só depois a informação.
Em outras palavras: primeiro Paulo conheceu o Evangelho, e só depois as histórias dos evangelhos.
Além disso, por “meu evangelho”, o apóstolo também queria significar o APLICATIVO do Evangelho de Jesus ao chamado Mundo Gentílico, ou Mundo Pagão, ou apenas Mundo.
Assim, ele ousa dizer que vivia o Evangelho conforme Jesus entre os gentios, de modo que ele ousa de novo dizer que segui-lo era seguir a quem ele seguia.
O “meu evangelho”, entretanto, também significa o seguinte para Paulo:
Aquilo que do Evangelho eu digo como implicação, e que ninguém que sabe tem coragem de propor, mas que eu ensino, e, por tal razão, pago um alto preço humano; portanto, sendo acusado pelo que ensino, isso faz com que o que a mim atribuem como erro seja justamente o diferencial de Evangelho que me distingue, em consciência, das limitações deles.
Portanto, há um Evangelho, há quatro narrativas, há dezenas de cartas de Evangelho e há milhões de implicações do espírito da Verdade que têm que ser aplicadas à vida do mesmo modo como os escritores dos evangelhos fizeram em relação ao seu público. Do mesmo modo, isso deve ser feito de acordo com o que Paulo praticou, posto que conheceu o Evangelho, depois as narrativas, e, então, fez as aplicações segundo o espírito da Palavra: o Evangelho de nossa salvação: Jesus.
Nele, o Evangelho,

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

ESTE É O MEU CORPO, ESTE É O MEU SANGUE

Jesus era judeu. Praticava a Lei e os Profetas. Frequentava sinagoga. E participava das festas de Israel. Caminhava em romaria pelo menos uma vez ao ano para Jerusalém para a celebração da Páscoa. Na última vez em que participou com os seus discípulos surpreendeu a todos quando tomou nas mãos um pedaço de pão e pronunciou: “Este é o meu corpo, partido em favor de vocês”. Os discípulos não entenderam muito bem o que estava acontecendo, e logo ficaram ainda mais perplexos quando Jesus ergueu uma taça de vinho e declarou em tom solene: “Este é o meu sangue, derramado em favor de vocês”.
Repentinamente explodiram em suas consciências alguns fragmentos do que Jesus lhes havia ensinado ao longo dos três anos em que caminharam juntos: “meu corpo é verdadeira comida, meu sangue é verdadeira bebida”; “eu sou o pão da vida”; “eu sou o pão vivo que desceu do céu, qualquer um que comer desse pão viverá para sempre”; “o pão que dou ao mundo, para que possam comer e viver, sou eu mesmo, um ser de carne e sangue”.
Enquanto as palavras de Jesus percorriam os labirintos de sua consciência e penetravam fundo em seu espírito, aqueles homens foram atravessados por uma avalanche de memórias confusas. Olhavam a mesa da Páscoa e lembravam de Moisés, da morte dos primogênitos egípcios, e principalmente do sangue dos cordeiros sacrificados naquela noite de libertação. Passaram pela tela de sua memória as inúmeras vezes quando Israel celebrou a Páscoa para lembrar que por causa do sangue do cordeiro aspergido sobre as portas e janelas de suas casas os hebreus foram salvos do juízo de Deus no Egito.
Como uma legenda para a fotografia de Jesus segurando o pão e o cálice naquela que seria a última ceia com os seus discípulos, surgiu a expressão de João Batista para clarear o entendimento daqueles doze homens: “Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”.
Foi então que lembraram do primeiro sinal miraculoso relaizado por Jesus. Numa festa de casamento em Caná da Galiléia, Jesus transformou a água das talhas da purificação em vinho. O sangue de Jesus faria o que os rituais cerimoniais jamais foram capazes de fazer: libertar os homens de sua maldade. Ainda perplexos perceberam que de nada adiantava submeter-se ao rito sem lavar a alma. E adquiriram a convicção de que somente o sangue de Jesus poderia lhes penetrar as profundidades do coração.
Num abrir e fechar de olhos toda a estrutura da religião de Israel ganhou sentido. E desmoronou. O templo de Jerusalém, os sacerdotes, os sacrifícios e os sábados ficaram ofuscados, como sombra de uma realidade incrivelmente mais sublime. Agora que estavam diante do Cristo, olharam para trás e viram toda a estrutura sacrificial prescrita na Lei como algo que já não havia porque preservar.
Naquele dia ganharam a consciência de que Deus não habita templos feitos por mãos humanas; o sangue de animais é insuficiente para transformar os homens de dentro para fora; e ninguém, exceto Jesus Cristo, poderia fazer mediação entre Deus e os homens. Compreenderam que “Deus é espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade”. Discerniram que a religião que é “religião de verdade, que agrada a Deus, o Pai, é esta: cuidem dos necessitados e desamparados que sofrem e não entrem no esquema de corrupção deste mundo que não tem Deus”.
Aos poucos foram percebendo que não precisavam mais frequentar o templo, pois estavam livres da necessidade de oferecer sacrifícios a Deus. Concluíram que também não precisavam mais dos sacerdotes como mediadores de seus sacrifícios, pois Jesus os ensinou e garantiu que todos podiam invocar a Deus, o Pai, em seu nome. Ganharam consciência de que todo dia é sagrado, Deus é acessível em todo lugar, e que todas as pessoas que têm fé em Jesus estão livres dos rituais e cerimoniais da religião. Foram arrebatados pela ideia de que o verdadeiro lugar da adoração é o coração, e que sagrado mesmo é o espírito humano unido ao Espírito de Deus.
Enquanto se espalhavam pelo mundo se dedicaram a explicar porque não tinham templo, não tinham sacerdotes, não tinham rituais de purificação, e não tinham festas sagradas. Empenharam suas vidas a demonstrar que adorar não era outra coisa senão desfrutar com alegria a vida concedida por Deus, povoar a terra e cuidar do mundo como quem cuida de um jardim. Por onde passavam, anunciavam a liberdade do Cristo. Os homens escravizados pelos rituais, romarias aos templos e cerimoniais de sacrifícios se abriam para o amor de Deus e do seu Cristo, experimentavam extraordinária liberdade, e passavam a viver inundados pelo Espírito de amor. No rastro de sua mensagem deixavam desmoronados os impérios daqueles que em nome de Deus mantinham as consciências escravizadas aos dogmas, aos ritos e aos pesadíssimos códigos morais.
Não demorou muito para que os seguidores de Jesus Cristo começassem a ser perseguidos. Ninguém anuncia a liberdade impunemente. Mas essa não foi a maior surpresa. O que impressionou os discípulos de Jesus não foi o ódio dos manipuladores de consciências: foi o ódio das consciências manipuladas. Os discípulos, então, deram-se conta de que a liberdade que anunciavam não era recebida como dádiva, mas como fardo. Descobriram que a maioria dos homens é mesmo covarde, melindrosa e ignorante. Prefere o rigor do controle religioso, os rituais e os lugares sagrados de cultos, e seus ridículos tiranos. Os discípulos custaram a acreditar que as multidões escolheriam a escravidão. Em vez da consciência livre, as regras. Em vez da adoração em espírito e em verdade, os rituais. Em vez de santificar o mundo e o tempo, os templos. Em vez de assumir a responsabilidade por si mesmos, os sacerdotes.
Os anos se passaram e aos poucos o mundo outrora iluminado pelo Cristo voltou à sombra. E a cada dia um novo templo é inaugurado. E para lá correm as massas, subjugadas pelos sacerdotes que dos seus altares fazem promessas falsas em nome de Deus, manipulam consciências e se aproveitam da boa fé dos que sofrem.
Mas a semente, ainda que sufocada por espinhos, arrebatada pelas aves de rapina e na superfície dos pedregais, encontra sempre caminhos para florescer e dar fruto. Aqui e ali as trevas são quebradas pelas pequeninas cidades edificadas edificadas sobre os montes. O sal tempera a terra. E o sol já vai nascer novamente.

© 2014 Ed René Kivitz